terça-feira, fevereiro 11, 2014


LENDO UMA REFERÊNCIA À MORTE DE MANUEL DE CASTRO,
NO ‘DIÁRIO’ DE PALMA-FERREIRA



Por acaso descubro que este jovem poeta
morreu. Jovem? Já o não seria,
mas é assim que o vejo daquele tempo
em que ele era já protestatário
e ser protestatário não era ainda maneira
de triunfar na vida. Não faço ideia alguma,
e nada importa, que terá escrito ou dito
de mim nestes anos de não saber mais dele.
Nem nada sei das voltas que lhe deu a vida.
Suponho que morreu de doença, de desordem,
miséria talvez, raivosa fúria dia a dia traída
mesmo na roda habitual à mesa do café,
onde um falso calor dar-lhe-ia sobrevida.
Tem sido sempre assim por estas décadas:
morrem os melhores sem bem realizar-se,
e sobra quem se realiza nos cadáveres
que vivos não salvou. E sobram, são os chefes,
têm corte, amantes que lhes pagam ou eles pagam,
e críticos de artigo semanal em coro de louvor.
E aqueles são quem morre — de tudo e de estar vivo,
e servirão de lacrimejo luso
até já nem valerem para ser lembrados
pelos que mereciam ser esquecidos.
E quem não esteja lá, se limpo de assassino,
só pode recordar os olhos do poeta,
a boca retorcida de amargura à espreita,
e os gestos sacudidos com que não falava
senão de alguma esperança e de poesia.

17 Junho 72

- Jorge de Sena

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