quinta-feira, janeiro 30, 2014


E, então, passámos aquele grande rio
e as portas do Rodão, chamadas. Era em abril,
dois dias depois da neve
e da cidade dos nevões, na serra.
Íamos a caminho do exílio.
E olhámos para os penhascos da beira-rio,
as oliveiras, o xisto, a cevada,
as ervas de termo e as colinas.
E, junto da via-férrea, os homens do país
miravam-nos como se fôssemos nós
e não eles os mortos desta terra,
homens do medo e do tempo da discórdia
que trazem para o cimo das estradas
a malícia que vai apodrecendo
seus pés neste mundo e em terras de outrem.
Que fazeis do mundo e da sua chama imponderável, ó homens,
perdidos que estais, hoje como ontem,
entre a casa e o limiar?
E evocámos, mais uma vez, esse provérbio soto.
E, na verdade, por que regressaremos,
após tantos anos, a este tema?
Será que a morte nos ensinou
a olhar para o homem com pavoroso êxtase?

- João Vário
in Exemplos, Tinta da China

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