segunda-feira, janeiro 27, 2014

As ruas sombrias


Não vai servir de nada este cigarro, amigos.
As cartas que escrevi para a família
vão cinzentas de tédio,
minha noiva também vai estranhar
as palavras de água quelhe envio
como vós estranhais meus passos na cidade,
meus olhares que passeiam nas ruas sombrias
dos comércios modestos,
das casas de penhor, dos alfaiates pobres,
das capelistas com pústulas nas faces.
Não tenho nada para vos contar,
são coisas tão vulgares as que transporto
das minhas excursões sem companhia
que as guardo comigo.
Naquela rua estreita que desconheceis
chorava hoje a jovem empregada
de uma casa de louças.
Só eu passei na rua àquela hora
e ela corou quando vi suas lágrimas.
São histórias assim as que trazem os dias.
Amigos: este cigarro não resolve nada.

- António Rebordão Navarro
in A Condição Reflexa, Imprensa Nacional

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