quinta-feira, novembro 28, 2013


I have loved men unknown
Encountered suddenly at the end of the day
Speaking to themselves like captains of a sunken armada
An indication that the world is wide.

- George Seferis


Daqui já não se vê o mar e o saco que
agarrava os ventos rasgou-se. A praça
que disputávamos é agora o recreio vazio
deste artista desfeito ao lado de um rádio
que lhe enche os soluços, os olhos trocados
de tanto seguir corpos em busca de
antigas assonâncias. Desencorajado já,
afunda-se ali nuns desvarios e é o cão,
que do céu fareja o rastro de cometas e
ovnis, quem volta e meia o acirra a ele.

Cercados por ruídos húmidos, a cheirosa
pacatez de frutos mortos, rolados por
caminhos inseguros, e vozes sem boca,
sombras que servem de leitura nos
recantos onde às vezes a chuva reza.
Tudo isto comove uma brisa que nos
sente os ossos e suspende no sangue
a poeira de impérios esquecidos.

Na mesma carne pesa outra presença,
e cada passo verte a sua fraca miragem
no seguinte, antes de alcançar um
desses lugares onde o coração ainda
gosta de parar, onde serve
de inclinação, separa as coisas ou faz
as pequenas distinções que iluminam
as melhores diferenças. Lume navegando
entre sombras. Levemente, esse velho
fio de água fracturando toda a resistência.

A memória não nos leva assim tão longe.
Então, enlouquecíamos com o que dizíamos,
bebíamos do mesmo copo mas
a profundidades tão diferentes, mesmo
o silêncio entre nós era mais dele.
Um tempo desbocado em que apareciam
mais capitães, ouviam-se verdadeiras
proezas e à superfície daquelas bebedeiras
avistavam-se rabos de sereias.
Hoje, a estes, qualquer distância os maça.
Bebem silêncio pelos cantos, afogando
na palma das mãos as rotas que
os levaram daqui.

Tantos mais se debruçam agora nesta mesa,
murmurando pensamentos desfeitos
em línguas estrangeiras, com os nós
dos dedos como cascos a ritmarem
as melhores linhas. Nem assim. Ficou-me
só esta ferida nos lábios, de abandono
e sede. Os nomes perderam
o gosto, às vezes já nem respondem,
e o que da alma resta não passa
de uma hesitação. Não falo do passado
mas de um encanto que não teve mais
por onde ir. Um vazio connosco, hoje,
em todo o lado. Esta canção de joelhos,
entre as mesas, implorando a moeda
que a levará de volta à destrambelhada
fúria em que nos viu dançar.

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