terça-feira, setembro 03, 2013


Um leitor de jornais e de crítica literária com a minha idade pode ficar surpreso ao se dar conta de que vem convivendo com notícias de “crise” disso ou daquilo há pelo menos 30 anos. Desde então, já se deparou com o anúncio do colapso, da extinção ou da enfermidade tardia de mais ou menos tudo aquilo que, paradoxalmente, continua a fazer parte do cotidiano da cultura e da informação (inclusive o próprio jornalismo).
Nesse sentido, tão importante quanto a formulação dessas crises é a clareza sobre os pressupostos e as finalidades que dão sentido a cada um de seus diagnósticos de esgotamento, de derivação, de demissão, de pobreza, de frivolidade, de vazio, de perda de prestígio ou das ilusões. Creio que um dos aspectos que fundam o interesse pela crise é a estratégia de substituição política ou cultural. O diagnóstico de crise é um dispositivo fundamental para liberar espaços que serão reocupados, destruindo o supostamente velho para que surja o supostamente novo. No caso da literatura, já ouvimos falar de sua substituição pela MPB, pela “Teoria”, pela ficção teórica, pelo cinema, pela cultura pop, pela internet, pelos projetos de “esquerda” ou de “direita”, pelas predileções do crítico ou apenas por um bom antidepressivo. Nesse sentido, o problema principal não é, manifestamente, o da despolitização da discussão sobre a literatura, mas, ao contrário, a generalização da política como horizonte contíguo (ou seja, sem passagens, sem mediações) do discurso crítico. A uma época compreendida como de polarização política, parece suceder uma outra em que tudo é político: uma época em que a “política” tem dificuldades para definir seu campo próprio de atuação e em que a discussão pública, sem o interesse ou sem a força para a identificação de “projetos”, se orienta (muitas vezes, assumidamente) para estratégias de esvaziamento e reocupação.
(...)

- Marcos Siscar
(retirado daqui)

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