segunda-feira, setembro 16, 2013

Os grandes feitiços


I

Um tosco troço de pau
Dois braços embrionários
O homem rasga-lhe o ventre
E adora seu membro erecto

II

Quem ameaças
Tu que andas
Punhos fechados nas ancas
Vacilante
Mal liberta prenhez?

III

Nó de madeira
Cabeça em forma de bolota
Duro e refractário
Rosto glabro
Jovem deus assexuado e cinicamente hílare

IV

A inveja devora-te o queixo
Atormenta-te a avidez
Levantas-te
Aquilo que falta ao teu rosto
Torna-te geométrico
Arborescente
Adolescente

V

Ei-los ao homem e à mulher
Ambos feios ambos nus
Ele menos gordo e mais forte
Mãos na barriga boca em ranhura de mealheiro

VI

O pão do sexo que ela coze três vezes ao dia
E o odre cheio do ventre
Vergam-lhe
O pescoço e as espáduas

VII

Sou feio!
Na solidão à força de aspirar o odor das raparigas
Incha-me a cabeça e há-de cair-me o nariz

VIII

Quis fugir às mulheres do chefe
A pedra do sol fendeu-me a cabeça
Na areia
Ficou apenas a minha boca aberta
Como a vagina de minha mãe
Gritando

IX

Ele
Calvo
Nada mais que uma boca
Um pénis longo até aos joelhos
Os pés cortados

X

Ei-la à mulher que mais amo
Duas rugas agudas em volta da boca em funil
Testa azul
Têmporas pintadas de branco
O olhar brunido como uma peça de cobre

- Blaise Cendrars
(tradução de Herberto Helder)
in Magias, Assírio & Alvim

Sem comentários: