domingo, agosto 18, 2013

O mar


O facto de arrojar ao mesmo tempo
as cinzas ao mar de todos os cadáveres
que vagam pelas brumas da História;
mesmo toda essa cinza
unânime, afirmo eu, em nada alteraria
o contínuo fluir:

lentas marés,
a alada ondulação agreste
ou as lendas graves da sua ira.

Errabundo e cativo, porém sempre
com uma disciplina
perfeita: enigmática e calculada,

ouve como ele ruge:

o mar narcotizado pelas luas,
homérico,mutável e mecânico,
com mesnadas de peixes
de olhos aterrados que o exploram
como os meditativos peixes coloridos
exploram uma vez e outra vez e uma vez mais
o aquário cheio de palmeiras
e baús de pirata em miniatura.

Flutuante do mesmo modo
que o nosso pensamento,
olha-o,
angustiado de azul indefinível,
asmático, grandioso e teatral,
ele,
que foge e invade
segundo um estranho método que tem
algo a ver quiçá com os nossos ciclos
de razão e loucura, as duas faces
de uma mesma moeda que cai sempre de esquina.

Refúgio de seres silenciosos,
inesgotável mar de vaivém branco,
tão dado a todo o tipo de metáforas
que costumam lembrar-nos certas vezes
o muito que nós somos como o mar.

- Felipe Benítez Reyes
(tradução de Nuno Dempster)

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