domingo, agosto 18, 2013

18.


Que dia sem pecado!
A espuma, hora após hora,
infatigavelmente,
foi branca, branca, branca.
Inocentes matérias,
os corpos e as rochas
– do zénite total
meio-dia absoluto –
estavam
a viver da luz,
e pela luz e nela.
Ainda não se conheciam
a consciência e a sombra.
Estendia a mão
para  apanhar uma pedra,
uma nuvem, uma flor,
uma asa.
E alcançava-as
a todas, porque foi
antes das distâncias.
O tempo não tinha
suspeitas de quem era.
Vinha a vosso lado,
subjugado e elástico.
Para viver vagarosamente,
de pressa, dizíamos-lhe:
"Pára", ou "Põe-te a correr".
Para viver, viver
sem mais, tu dizias-lhe:
"Mexe-te."
E então deixava-nos
soltos, flutuando
no puro viver
sem sucessão,
livres de motivos,
de origens, de albas.
Nem virar a cabeça
nem olhar para longe
nesse dia sabíamos
tu e eu. Não nos fazia
falta. Beijarmo-nos, sim.
Mas com uns lábios
tão distantes da sua causa,
que estreitavam tudo,
beijo, amor, ao beijar-se,
sem ter que pedir
perdão a ninguém, a nada.

- Pedro Salinas
in La voz a ti debida

Sem comentários: