segunda-feira, julho 15, 2013


Os escritores tornaram-se modestos até perder a razão. Outrora sentiam-se com dimensão para fazer o futuro. Hoje basta-lhes prevê-lo. Depois de dizermos de um poeta, e bem: «esse adivinho...», está tudo dito.

É vulgar as pessoas terem dons. Mas tão difícil é dirigi-los, ser digno deles, tirar deles um partido interessante, que o autor excessivamente favorecido refugia-se, de um modo geral, na erudição, na reportagem, na política ou noutra coisa pior ainda.

Em boa verdade, Sade é monótono. Não o é menos Amiel, nem o Bhagavad-Gita. E da Odisseia nem se fala! O que é a inspiração? É termos uma só coisa para dizer e não nos cansarmos nunca de dizê-la.

«Nunca vi uma personagem assim...», diz o crítico ao romancista. «Portanto é uma sorte eu mostrar-lha. — ...puramente inverosímil. — É pois verosímil que eu pense em mostrá-la.» Desta forma o escritor se defende sempre.

Os velhos poetas tratavam de rimas, ritmo, sílabas e palavras, como se fosse evidente a maravilha. Nos modernos, porém, há magia e mais magia. Como se temessem perdê-la.

Até aos doze anos acreditei que as Pessoas Crescidas tinham feito a Revolução para dignificarem, enfim, os que eu admirava: o torneiro, o merceeiro, o cronista tauromáquico do Echo. Soube mais tarde que a Revolução se tinha enganado.

É bem possível que a Revolução futura seja inevitável ou mesmo justa. Começará por tirar ao proletário a segurança e o orgulho. Quem espera intensamente mudar, não perde tempo a admirar-se. Nem a tornar-se admirável.

Se não é razoável fiarmo-nos na razão, ainda é menos mágico ter fé na magia. Não te deixes deslumbrar. O mundo do espírito não tem sombra nem noite. Deves ser tu, à força de recusa, a dar-lhe uma.

Tudo estaria dito. Sem dúvida. Se as palavras não tivessem mudado de sentidos: e os sentidos de palavras.

(1951)

- Jean Paulhan
(tradução de Alberto Nunes Sampaio)
in O Marquês de Sade e a sua cúmplice, Hiena

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