domingo, julho 14, 2013

As formigas


Encontrei, discreta, a primeira na bacia, lembrando
Cortázar, é claro. Formigueiros eficazes construindo intriga
sobre a infância; a destruir construções profundas:
marmelada, açúcar, toalha branca onde a segunda passeava
pornográfica. Formigas desesperadamente femininas
na teimosia do percurso. Acampamentos antigos onde farejavam
mantimentos. Um ser temível de eficiência
que debaixo do mindinho se desfaz.
Vulgares irritando e tentando a cueca, o sexo,
a malga dos restos do jantar. Infância
ainda presa à evocação. Onde o texto sobrevive
debaixo de um punho proletário. Formigueiros.



Debaixo de um vulcão formigavam letras. Acendiam-se
frases. Velavam trovadores lentos e inócuos. Ele
eram formigas voadoras; ou ninfas; ou Peter Pan
travestido de Gancho. Eficiência irritante da fábula
que sempre me fazia apoiar cigarra. Coisas! Agora
há mais formigas que detritos. Construções de animais
completando estranhos percursos negativos.
Um tempo intermédio: quase ponte, quase réstea,
quase fábula. Formiguinhas mansas e líricas; sábias
obreiras; fábricas produtivas e incansáveis. Contudo
a raiva desbotoa-se, esvoaça também, avança
punho em riste contra o monte, os orifícios.



Desertam as formigas. Demite-se o valor. Altera-se
o símbolo. Encontro agora formigueiros mansos.
Assim os textos calmos, as construções impossíveis,
o impassível formigar urbano. Encontro-me formiga
num marginal rez do chão civil. Reparo nos gestos
desatentos, no desalento e no medo, no vento
que apaga as chamas, no formigueiro ordeiro. Símbolos,
é certo. Resta apenas a palha da infância
e o punho que cresce subterrâneo. Discreta formiga
canta. Ganha cor. Acende seu cigarro rubro qual
cigarra. Adivinha-se um percurso bem diferente:
destruição eficaz para novas construções.

- Eduardo Guerra Carneiro
in é assim que se faz história, Assírio & Alvim

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