segunda-feira, julho 29, 2013

Adão Ventura


"Paisagens do Jequitinhonha"

Quem dança no vento
no ventre das águas
do Jequitinhonha?

Quem percorre o leve
de breves passos
nas margens do Araçuaí?

Quem detém dos pássaros
o ziguezaguear de vôos
recompondo sombras
sobre lixívias e lavras
de Chapada do Norte?

Quem imprime
em argila
a singeleza dos gestos
dos artesãos de Minas Novas?

§

"Natal"

um natal lerdo
num lençol de embira
mesmo qu'uma fonte
de estimada ira.

um menino lama
num anzol que fira
algum porte e corpo
e alma de safira.

um menino cápsula
de tesoura e crime
— ritual de crisma
sem fé ou parafina.

um menino-corpo
de machado e chão
a arrastar cueiros
de chistes e trovão.

§

"Agora"

É hora
de amolar a foice
e cortar o pescoço do cão.

— Não deixar que ele rosne
nos quintais
da África.

É hora
de sair do gueto/eito
senzala
e vir para a sala
— nosso lugar é junto ao Sol.

§

"Negro forro"

minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigodes retorcidos.

minha carta de alforria
costurou meus passos
aos corredores da noite
de minha pele.

§

"Faça sol ou faça tempestade"

faça sol ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

faça sol ou faça tempestade
meu corpo é cercado
por estes muros altos,
— currais
onde ainda se coagula
o sangue dos escravos.

faça sol
ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.

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