terça-feira, julho 16, 2013

5.


Deu-se, aconteceu, é verdade.
Foi num dia, foi um sinal
com que o tempo marca o tempo.
Foi num lugar que eu vejo.
Seus pés pisavam o solo
este que todos pisamos.
Seu traje
parecia-se com esses outros
que envergam outras mulheres.
Seu relógio
destecia calendários,
sem esquecer uma só hora:
como contam os demais.
E aquilo que ela me disse
foi num idioma do mundo,
com gramática e história.
Tão de verdade,
que parecia mentira.
Não.
Tenho que vivê-lo em mim,
tenho que o sonhar.
Perder a cor, o número,
o alento todo fogo,
com que me queimou ao dizê-lo.
Converter tudo em acaso,
em pura sorte, sonhando-o.
E assim, quando se desdisser
do que então me disse,
não me morderá a dor
de haver perdido a frase
que tive entre meus braços,
tal como se tem um corpo.
Crerei que foi um sonho.
Que aquilo, tão de verdade,
não teve corpo, nem nome.
Que perco
uma sombra, apenas um sonho.

- Pedro Salinas
in La voz a ti debida

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