quarta-feira, julho 24, 2013

15.


Depressa, a alegria,
atropelada, louca.
Bacante disparada
do arco mais casual
contra o céu e o solo.
A fisíca, assustada,
tem medo; os comboios
atrasam-se mais
ainda que os aviões
e que a luz. É ela,
velocíssima, cega
de olhar, sem ver nada,
e querer o que vê.
E já não querê-lo.
Porque se desprendeu
do querer, do desejo,
e ébria toda na sua essência,
não pede nada, não
vai a nada, não obedece
a buzinas, a gritos,
a ameaças. Esmaga
debaixo dos pés ligeiros
a paciência e o mundo.
E enche-o de ruínas
–ordens, tempo, penas –
numa abolição
triunfal, total, de tudo
o que não é ela, pura
alegria, alegria
altíssima, empinada
sobre si mesma.

Tão alta de se esforçar,
que já vai ruindo
dobrada como um herói,
sobre a sua façanha inútil.
Que já vai morrendo
consumida, desfeita
no ar, perfeita
combustão de seu ser.
E não deixará fumo,
nem cadáver, nem pena
– memória de ter sido –.
E ninguém o saberá,
ninguém, porque só ela
soube de si. E morreu.

- Pedro Salinas
in La voz a ti debida

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