terça-feira, junho 18, 2013


Numa sociedade em que a arte, duma maneira geral, e a literatura, em particular, são propriedade ou prerrogativa duma minoria, o verdadeiro crime contra a literatura, contra o qual somos impotentes, é, para Brodskii, a não leitura dos livros. "Esse crime, uma pessoa paga-o com toda a sua vida; se o criminoso é uma nação, paga-o com a sua história." Condenamos a perseguição de escritores, os actos de censura, a destruição dos livros pelo fogo, mas não chega, "somos impotentes perante o pior dos crimes: a não leitura dos livros". A atomização crescente da sociedade moderna, a redução das pessoas a zeros insignificantes, a nulificação dos destinos individuais massificados poderão, apesar de tudo, constituir um terreno propício para a emergência de mais consciências individuais? Sim, apesar de tudo. Para o mundo talvez seja tarde, mas para o indivíduo – porque a linguagem, ou seja, a arte, ou seja, a literatura é o terreno próprio da sua liberdade – existe sempre a possibilidade de se furtar ao "denominador comum" e ascender ao "numerador" da fracção que representa o mundo, em direcção à "autonomia, em direcção à privacidade". "Independentemente da entidade a cuja imagem tenhamos sido criados, somos já cinco biliões, e para o ser humano não existe outro futuro que não o enunciado pela arte. Doutra maneira, o que nos espera é o passado – o passado político, em primeiro lugar, com todos os seus entretenimentos das políticas de massas." Mas o bem-estar material geral duma sociedade não é garantia de mais liberdade, como sabemos, porque não é sinónimo de mais dignidade. 

Excerto da introdução de Carlos Leite
in Paisagem com inundação (Iosif Brodskii), Cotovia 

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