tanto leite a derramar-se o caminho de santiago está coalhado
brilha tão largamente que é som também
esta morada reluz ao norte
não é por acaso o orvalho nas unhas
cá vamos na reboleira celeste
mas agora aqui o rolar das águas é um fiozinho nos seios da fraga
as palavras dão-se ao luxo de dizerem pouco
há vezes que nem murmuram nem mesmo são ruína
outras uma lucidez de pena de gaio
entre infinitos o aprendiz de luas vai tolo com o nariz para cima
mas não cai na toca dos coelhos
cria coelhos dizia a propaganda cria coelhos
a carne alimenta a pele agasalha
os lábios deitam suco sílabas doces
e o aprendiz lá vai lá vai a contar meteoros
sou distraído dou atenção
aos melros nas traseiros do abrigo
levam rubis os bicos amarelos
é que um mundo muito melhor é possível e terá mais cerejeiras
na entrada do palheiro com o focinho a ler o que lhe interessa
faz-se fino o chiquito arraçado de pastor
mais grego do que alemão o chiquito argos
deitado a rosnar de gozo e que não morre quando me vê
entra o céu com a porta aberta em ondas que não se vêem
fica à vista o florir da pedra
e o cão lá vai lá vai mordendo a côdea mais o osso
que será feito do cuiquito que não voltou
estalam as suítes no verão da eira com o amarelinho
das flores de sapo do tojo da carqueja das macelas
um pouco de preguiça eternidades e urtigas na merenda
vou da música às colheitas
sem o arder das cordas nos dedos de jacqueline du pré
dou mão ao feno engaçando às carreiras no lameiro
uns passos depois dos fardos saindo pelo boqueiro
as rãs ao perto as nuvens altas
pasmo com o horizonte das vacas e elas comigo
há uma roda que vem fazer o giro nocturno
e mais adiante a manhã deve ser a fortuna
a hora dos voadores é certa com a primeira onda de luz
sabes isso que a felicidade é isso
que a esperança não existe ou é vadia a nebulosa
e despertas um gesto contra os que impedem o voo
os gandulos da finança desempoeirada os larápios no poder
essas máquinas de secar os sugadores de tudo
há um amargo nos lábios qualquer coisa assim
e cismas uma alegria de asas
feitos de água
acendem-se os fios que descem dos carvalhos
a claridade é meio azulada de janeiro
ficam cristais temperados pelos olhos
é o sincelo sim a sinfonia do gelo
e se derretem são ramos
nomes próprios e não critais
aceitam a leveza do pássaro
entre a hora da mais recente neve e da próxima
servem agora para escrever o canto de si mesmos
haja guerra ou paz os torrões fervem na eira
o futuro vem às mãos
carregando-as com honras e vergonhas
e aí guardas a boca para calar o que não deves dizer
ou se o corpo é imortal
deixá-lo ser
vou abrir a botelha antes passava o vinho
para o decantador que foi jarra de flores
atento ao que os pássaros dizem
bebo e sigo vamos indo
longe é o frio com todas as letras será sempre longe
- Abel Neves
in Telhados de Vidro, nº18, Averno
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