quarta-feira, maio 08, 2013

No pasa nada


Chiado Terrasse,
longas tardes de imobilidade e
sussurros de plateia deserta
enquanto Lear ressona no seu trono
e um pó muito antigo permanece sobre o estrado.

Este será o ensaio final, depois
um chá das cinco no Jardim de Inverno,
scones com manteiga ou doce, e já esquecido
qual o tema do debate, reafirmo –
nada está decidido ao primeiro verso.

Não admira pois
o crescente saudosismo destas gentes
que já confundem o direito a constituir família
com o direito de constituir exército
e finar-se em brutas camas de dossel.

Sonham com um doirado
exílio,
passam a vida inteira em pantufas,
com os pés em cima da escrita
e ao passarem pelas portas fechadas
do antigo cinema do bairro,
lá conseguem soltar uma vibração,
uma injúria.

Não se passa nada,
como se cinco minutos depois do pequeno almoço
tivesse entrado humidade para dentro da clepsidra

e eu saísse apavorado de uma biblioteca,
alegando silêncio em excesso.

Desperdiço as minhas tardes na hemeroteca,
no arquivo fotográfico à procura das minhas ruas,
dos becos e baldios abandonados,
pedregulhos sobre os auxiliares de memória,
e a partir de agora estar vivo é um estrangeirismo.

Não se passa nada,
e o poema é um fragmento, um avolumar de palavras.
Penso na dignidade de não ter nada
e saio à rua limpo,
confiante de não saber nada.

- Luís Pedroso
(inédito)

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