terça-feira, abril 23, 2013


O mundo está coberto de neve agora. Não estou em casa.
Como são alvos estes lençóis. As faces não têm expressão.
São atrevidas e insuportáveis como as faces dos meus filhos,
Esses pequenos irritantes que me escapam dos braços.
As outras crianças não me tocam: são terríveis.
Têm demasiada cor, demasiada vida. Não ficam quietas,
Quietas como este vazio que carrego dentro de mim.

Tive várias oportunidades. Tentei vezes sem conta.
Cosi a vida dentro de mim como um órgão precioso,
E caminhei precária e cautelosamente como se fosse etérea.
Tentei não pensar demais. Tentei ser natural.
Tentei ser cega no amor, como outras mulheres,
Cega na minha cama, com o meu cego amante,
Sem procurar, na espessa escuridão, a outra face.

Não a procurei. Mas ela estava aí,
A face do que não tinha nascido e amava as suas perfeições,
A face do que jazia morto e que só encontraria a perfeição
Na sua tranquila paz, só assim se manteria sagrado.
E havia também outras faces. As faces das nações,
Dos governos, parlamentos, sociedades,
Os rostos sem vida dos homens importantes.

São estes os homens que não suporto:
Têm tanta inveja de tudo aquilo que não é raso! São deuses invejosos
Que gostariam que o mundo inteiro fosse raso, porque eles o são.
Vejo o Pai a conversar com o Filho.
Tal displicência não pode senão ser sagrada.
«Vamos fazer um céu», dizem.
«Vamos arrasar tudo e sacudir a espessura destas almas».

- Sylvia Plath
(tradução de Ana Gabriela Macedo)
in Três mulheres, Relógio D'Água

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