quarta-feira, abril 17, 2013


Muito poderia dizer-se, é certo,
da sempre excessiva distância
que separa a galinha do seu voo:
sinto-me, nos dias de colheita,
como um rapsodo estéril
que, de repente, vomita um ovo.
Mas talvez seja em vão fazê-lo agora,
quando da rima ficam apenas escombros.
Onde havia medo, disciplina e poder,
temos descanso, “cultura” e diversão.
Os tropos caem como figos secos no esterno oco dum soneto:
aqui apenas as hienas e o vento aparecem ainda para afiar a língua.

Somos o eco leigo de um trambolhão a imitar um ditirambo.
Já derreteram flautas e sonhos para alimentar a lavra de canhões.
Os sátiros foram buscar febras e tabaco.
Dizem que a Lolita cumpriu, há pouco, trinta anos.
O paraíso, já sabemos, tem as suas contas em dia.
Alguém devia, no entanto,
especializar-se em originais e outras classes de infernos.
Este miúdo, talvez, que nos ensina,
calado e confiante,
com a ponta de uma tíbia de frango,
na gordura que sobrou no prato,
o contorno de uma chucha.

- Golgona Anghel  
(inédito do próximo livro, a sair em Maio na Assírio & Alvim)

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