domingo, abril 28, 2013


Digo isto aqui e agora para poupar o leitor a uma desilusão. Não sou um homem moral (embora tente manter a minha consciência em equilíbrio) nem um sábio; não sou nem um esteta nem um filósofo. Sou apenas um homem nervoso, por força das circunstâncias e dos meus próprios actos; mas sou observador. Como uma vez disse o meu querido Akutagawa Ryunosuke, eu não tenho princípios; só tenho nervos. Aquilo que se segue, por conseguinte, tem mais que ver com o olhar do que com as convicções, incluindo as respeitantes ao modo de organizar uma narrativa. O olhar precede a pena, e decidi não permitir que a minha pena minta sobre a sua posição. Se corri o risco de uma acusação de blasfémia, não é a de superficialidade que me fará estremecer. As superfícies – aquilo que o olhar regista primeiro – são muitas vezes mais reveladoras do que o seu conteúdo, por definição provisório, salvo, é claro, na vida depois da morte.

- Joseph Brodsky
(tradução de Ana Luísa Faria)
in Marca de água, Dom Quixote

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