Filosofia é uma coisa, morrer de verdade
é outra, diz o médico a Rubião no
romance Quincas Borba. O que é morrer
de verdade, então? Literatura, embala
o meu coração na ilusão da nostalgia.
Palavras, sorrisos, gestos, as tardes e as
noites nas esplanadas dos cafés, as insónias
e os pesadelos, mas morrer de verdade
é outra coisa. O descanso por fim,
nós a rirmo-nos lá em baixo, no ventre
da terra, sossegadas enfim as paixões,
diz Camilo Pessanha. Porque não me
telefonaste, perguntou o rapaz à rapariga.
Ontem à noite, fiquei à espera. E agora
já não sei se hei-de continuar a pensar
em ti ou esquecer-te. O amor,
pássaro receoso, bate as asas
lentamente, sem muita convicção.
Quem pudesse acreditar e partir
à aventura sem que os seus passos
de novo o trouxessem de volta a casa.
Viver assemelha-se a um filme desconexo,
mas morrer de verdade é ficar de fora
definitivamente, já não se pode corrigir.
Morrem de verdade os outros, respiram
pela última vez na cama onde dormiram
tantos anos, como uma vela que se apaga.
Na noite fria recordamos o tempo antigo,
tudo o que aconteceu antes de termos
começado a envelhecer. Perplexo
diante da página do romance, o rapaz
hesita ainda sobre o sentido a atribuir
às palavras. Pensativo, deixa os olhos
desviarem-se do papel, fixar-se nas
palmeiras que irrompem da terra contra
o céu escuro. Mais um dia que passou.
- João Camilo
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