domingo, março 10, 2013


Chegam-me sempre sombras de algum canto
pelo que sei que não me julgas só.
E devo eu fazer com que se torne verdade? Poderia
assinalar quando há seiva ou quando há mosto,
quando os caminhos alteram a paisagem
novamente e na hora do retorno?
Porque afinal é o contágio o que busco.
O contágio de ti, de mim, de tudo
o que se pode ver à saída
de uma ponte, entre o espaço dos seus olhos.
À subida. Acusadoramente
próxima, mesmo com o temor do assédio,
chegas superando a chegada,
abrindo-te ao chegar como o outono.
E como o perigo imenso das luzes
no planalto se nivela no fundo
azul-violeta, assim meu tempo já vivido,
assim: anunciando – que ave? – pela forma
de voar, alto ou baixo, a tormenta
ou a calma. E não importa que essa forma
nos apresse numa solidão bem ágil. 
Porque uma coisa é julgares-me só
e outra fazer ruído para andar mais direito;
uma coisa a noite, outra o que é próximo
daquela noite que sobrevive nesta
e a exorbita – Extingue, álamo, sóbria
vela ardida da espera! Extingue,
e expande os limites da sua voz em coro
numa intimidade que é como se comovesse
as vozes do ar enquanto te oiço
– estou a ouvir-te mesmo que nada escute –,
sombra de um canto já quase corpóreo.

- Claudio Rodríguez  

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