segunda-feira, março 18, 2013




A CASCA A ESTALAR
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Abel Neves

A cada livrinho que rompe, a casca estala um pouco mais. Não sei se algum dia terei a sensação de estar absolutamente fora do ovo. Isto vai-se mantendo com todas as esferas possíveis, e as outras, e sempre com a música dando a temperatura e permitindo a dança.
Que os dias estão difíceis, estão, mas sempre o estiveram com outros entulhos e clareiras. A catástrofe também se decide com o que dizemos e por isso podemos, de vez em quando, adiar a sua possibilidade, se quisermos a aparência do sossego em vez da ferida do desassossego.
Alguma poesia ajuda às crises e aos adiamentos, às andanças por aí, aos retratos de uma humanidade em diálogo com o destino, ensarilhada nos jogos de viver, no reboliço dos panos de mesa e das naturezas-mortas, entre estrelas e lençóis. Não sei se este Quasi Stellar – se for mesmo poesia – alguma vez poderá contribuir para o assento das pedras de um qualquer abrigo ou dourar as hastes do centeio, mas talvez possa trazer para mais perto o que se intui ao longe ou esconder do efémero alguma trabalhada iluminação, útil a pássaros e a alguns curiosos.
Não sei, disse, mas atrevo-me a dizer também que quase sei. Este livrinho não contribuirá certamente para as enormidades ideológicas e políticas que temos vindo a digerir muito mal, muitos a contra-gosto. Intimidades e paisagens degradam-se. Os mais fracos de nós degradam-se mais depressa. As paisagens fracas também. Os mais fracos não merecem a estupidez e a violência dos poderosos. O crime está a entrar em quase todas as moradas. Atiçam-se os lumes e as feras e, no entanto, nenhuma vitória acontecerá.  Aqui e acolá, apenas um rumor a iludir que houve uma terra boa e prometida. Tanta gente por aí a querer ser feliz e uns tantos energúmenos conseguem estragar a festa. Mas seguimos. A desgraça finge-se tantas vezes de primavera. A graça também. Então, teremos de continuar.
Já pensei se não será por haver uma ética no cosmo que este livrinho se chama Quasi Stellar. Talvez.


Texto lido ontem por Abel Neves, na apresentação de Quasi Stellar

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