1
Sombras do dia branco
contra meus olhos. Eu não vejo
nada senão o branco:
a hora em branco, a alma
desafeiçoada da ânsia e da hora.
Brancura de águas mortas,
hora branca, cegueira dos olhos abertos.
Esfrega a tua pedra de lume, arde, memória,
contra a hora e a sua ressaca.
Memória, chama nadadora.
2
Desafeiçoado do corpo, desafeiçoado
da ânsia, volto à ânsia, volto
à memória de teu corpo. Volto.
E arde teu corpo na minha memória,
arde em teu corpo a minha memória.
Corpo de um Deus que foi corpo abrasado,
Deus que foi corpo e foi corpo endeusado
e é hoje não mais do que memória
de um corpo desafeiçoado de outro corpo:
teu corpo é a memória dos meus ossos.
3
Sombra do sol Solombra ceifeira
cega meus mananciais macilentos
o nu desnuda ceifa a ânsia
apaga o ânimo desanimado
Mas a memória desmembrada nada
desde as nascentes do seu nada
os mananciais do seu nascimento
nada contra corrente e mandamento
nada contra o nada
Ardor da água
língua de fogo fosforesce a água
Pentecostes palavra sem palavras
Sentido sem sentido não pensado
pensar que transfigura a memória
O resto é um feixe de centelhas
- Octavio Paz
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