quarta-feira, janeiro 02, 2013



A manhã esfria na chávena, a cada trago
amarga na boca. Veste alguma coisa,
pôs-se frio de tanto olhares em volta.
Deste corda suficiente à ausência dela,
ritos e floreios no embalo da memória
em que o corpo adolesce. O insecto cantador
num braço do silêncio
, e o cigarro nos dedos
a animar borboletas de cinza que
atravessam dolorosos vislumbres e caem
sobre o vestido que, à incidência de
tantas luas, se tornou um apontamento
melódico guardado na caixa de música.

Desce, por favor, e abre um mapa,
aponta à toa e segue pelos caminhos
alagados onde nos cruzamos
com pastores sem rebanho. É tua a
idade imensa destes pomares desenhados
a lápis de cor ou a lembrança dos pássaros
no ombro dessa solidão selvagem.
Trazes alguém noutro dia, hoje vens tu
a este reino oculto de zumbidos antigos
e remansos de menta e sombra.
Um riscar de lume – não te esqueças –
levanta nuances de âmbar e verás
as fadas presas por aranhas entre as
vértebras da luz. Ouve o vento caçar
nas suas terras
, esmagando o alvoroço
sanguíneo da hora poente. Fecha os olhos
até que reste apenas o soluço sem fim
da distância
.

Há menos noite agora, se fugimos
já não nos parece que as estrelas
fogem connosco, o céu não quer saber
se nos perdemos e a cidade já só oferece
estas poucas esquinas ou bares a que
ainda pedimos descanso, outra solidão.
Lugares onde a luz também bebe
e se embriaga
– dói cada vez menos,
quebrando as cores como as preferes.
Deixa-te estar, calmo entre bençãos
de treva, musgos transatlânticos,
estas paredes onde a humidade traça
vagos mapas que a febre
insiste em decifrar sem conseguir
.

Darás por ti no meio de alguma corte
perdida. Não te ponhas à parte, fala bem
se te falarem, mostra que tens lume.
O álcool dar-te-á balanço entre a oscilação.
Rostos de náufragos virão à superfície
desse longo espelho onde lumes e nódoas
se afeiçoam
. Segue o fio do labirinto
que é sede
, hás-de ser puxado
pela aura e domínio desses capitães
aleijados. É fácil reconhecê-los:
arpão de luas ao ombro, na lapela
a flor do velho mundo, uma simplicidade
quase rude no modo como os gestos
se afundam no perfume lendário
de grandiosas e violentas descrições,
adensando as sombras em redor.
Umas recriam para eles cenários de
horror e deslumbramento, outras
erguem instrumentos e soltam
o tremor de uma música sem notas.

E aí, no meio dessa corte achada,
deixa que a tua mão seja como um
relâmpago frio anotando
estes gritos alados. Não tenhas pressa,
voltas cá outra noite, e outras depois.
Fica, deixa outra manhã vir buscar-te.
A rua já vai descalça, lerda e triste,
alguém canta na estrada. Um dia
aprendes a canção, um dia
escreves tu uma dessas ébrias razões
que tornam a vida suportável.

Sem comentários: