sábado, setembro 01, 2012

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Convenhamos que a questão está esclarecida há muito tempo: a viagem não passa de um fingimento, de uma fanfarronada filosófica.
E contudo, por uma outra razão ainda, a viagem parece-me ter qualquer coisa ligada à literatura, cuja morte é a rotina linguística, o estereótipo, a frase sonâmbula que é a força do hábito. O primeiro dever do escritor, antes de «contar histórias» ou de «fazer sonhar», como está de novo na moda, continua a ser o de dar um sentido mais puro às palavras da tribo. Ou então (no fim de contas, quer dizer a mesma coisa, e a formulação presta-se a menos dúvidas): enfiar o barrete frígio ao velho dicionário. Seja como for: inventar na sua língua uma língua nova, que deriva e se desvia das línguas comuns, que as emprega e as revela, que as decompõe, as recompõe, as desavergonha, as faz perder as estribeiras, as histeriza, as electriza, suscitando nelas um transe; ou então, se preferirmos uma outra imagem, seria um equivalente desse fenómeno a que em Física se chama supracondutividade. Simplesmente, aquilo a que chamamos estilo, coisa bem diferente da «música ligeira», «da elegância», «da economia», e de outras amenidades que lisonjeiam o Novo Bom Gosto francês: não a coluna e o punhal, o que eleva e o que rasga, o que suporta e o que mata, um e outro num só gesto decisivo: Brutus.

- Olivier Rolin
(tradução de Adelaide Cervaens Rodrigues)
in O meu chapéu cinzento, Asa

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