sábado, junho 16, 2012

Entre a Carne e o Osso, recensão crítica de Manuel de Freitas



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ENTRE A CARNE E O OSSO
Luís Filipe Parrado
Língua Morta, 68 págs., €9
POESIA


Após uma espécie de «falsa partida» (Tundra, 1988), Luís Filipe Parrado esteve um longo período sem publicar em livro, embora seja um dos mais regulares e interessantes colaboradores da revista Criatura. Entre a Carne e o Osso traz-nos agora uma voz amadurecida, cujo sólido pendor elegíaco nos fala de «um homem fechado em si/como num caixão» ou de «coisas em que pensamos só/quando nos fazem falta». Ao sermos confrontados com estes «espelhos/marcados por dedos crepusculares», depressa percebemos que, a haver uma linhagem para esta escrita, ela terá de ser encontrada em Larkin ou Biedma, mais do que em autores altissonantes. Até uma certa propensão enumerativa acaba por se ver «salva» pela auto-ironia: «depois de um dia de trabalho árduo/os poemas são de pele e osso//e parecem-se estranhamente/com listas de compras». Aqui e ali, reconheçamos, Parrado torna-se excessivamente contemporâneo de Jorge de Sena: «Não conheço a penumbra dos bosques/ou a fugaz felicidade dos trilhos,/avara, suave incerteza no tempo que me muda./Mas isto, que é pouco, sei: não saberás de mim». Mas são breves distracções, logo compensadas por uma atenção ao ínfimo/doméstico que fulgura, por exemplo, no final de «O vaso»; «Só preciso de um pouco de água/em todos os lugares crescerei para ti». Por outro lado, «Uma lição antes de morrer» (que pode ser lido como uma admirável glosa de «À une passante», de Baudelaire) é o poema que João Camilo anda há trinta anos a tentar escrever, sem sucesso. E «Depois do amor», exemplarmente conciso, é um dos mais belos poemas de amor que se publicaram em Portugal nos últimos vinte anos. É de amor, justamente, que este livro nos pretende falar: «Pouso as veias dormentes na tua boca/e o sangue retém o lamento». Em suma, estamos perante o antídoto ideal para quem dispensa peixotices lamechas e semelhantes equívocos.

- Manuel de Freitas
versão integral da crítica hoje publicada na Atual, Expresso

1 comentário:

j.e.simões disse...

"Só preciso de me defender de palavras turvas."