sábado, maio 19, 2012

hábitos: reticências e parêntesis

As reticências, essa chuva que cai
numa tarde como tantas, num lugar
quase branco, entre o verde e o mar,
com cimento, alcatrão e alumínio.
Chove e estão cara a cara, como num filme.
Partilham topónimo e nome de baptismo,
a cumplicidade de quem não é senão
saudades, infância, o buril da alegria.
Parêntesis onde cabem um aperto
de mão e a tímida troca de sorrisos.
A lei é sempre este pouco de família.
Sai e ao sair, aviltado, porque sempre
se considerava vítima, atirou-se
para o carro, o mesmo que o constrangera
àquela visita. Pôs a chave o rádio
em on e a voz de um escritor a dizer
de si, no tom gorduroso dos sacos do
lixo, trouxe-lhe a barriga cheia desses
reis das coisas tristes, as muitas maneiras
de doer sem antídoto, a indiferença,
a mentira que num repente se muda
em riso. Sinal de que a revolta
parou e de que a chuva chegou ao fim.

- Carlos Bessa
in Em partes iguais, Assírio & Alvim

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