domingo, fevereiro 12, 2012

Folheto

Sou o comprimido calmante.
Actuo em casa,
sou eficaz na repartição,
sento-me no exame,
apresento-me em tribunal,
colo minuciosamente a louça partida.
Basta que me tomes,
que me ponhas debaixo da língua,
que me engulas
com um copo de água.

Sei o que fazer na desgraça,
como aguentar a má notícia,
diminuir a injustiça,
desanuviar a falta de Deus,
escolher o chapéu de luto a condizer.
Por que esperas?
Confia na piedade química.

Ainda és jovem,
tens que te governar.
Quem disse que se deve enfrentar a vida?

Entrega-me o teu abismo,
vou aconchegá-lo com o sono,
ser-me-ás grato,
darás a volta por cima.

Vende-me a tua alma.
Não haverá melhor comprador.

Outro diabo já não existe.

- Wislawa Szymborska
in Alguns gostam de poesia, Cavalo de Ferro

Sem comentários: