Quando a luz se apaga
geme a mansa fera dos quadros.
O caos apodera-se da explícita
superfície em que canta a sua mensagem
e nos apresenta um anjo disfarçado de extenso tema
no qual brincam linhas sem transvio.
Foge a luz, e a pintura
recolhe-se em si mesma. São indistintas
as cores que lutam até ao contacto
do luminoso ponto
o que desperta clamor, ruído de espadas,
explosão de matéria nos beijos.
Aniquilada fica aos nossos olhos
que gostam de procurar o que os seus lábios
nunca dizem às escuras,
aquilo que só é possível
quando de súbito invade o nosso sangue,
se derrama
fervilhando pelos íntimos
leitos da nossa luz,
se converte em nós.
A luz que colabora, que desperta
o adormecido animal da pintura;
a luz desperto agora,
a qual nos leva conduzidos por suas mãos
a interpretar os sinais,
a estremecer ante o golpe fulminante
de verdades que perfumam
subitamente um ser diferente em si;
a luz que ressuscita
a adormecida, aniquilada, informe,
matéria escurecida,
que coloca alma no homem e nas suas ruínas:
a luz que, de manhã,
abre as flores da cor com que se abre.
- Ángel Crespo
(versão de José Eduardo Simões)
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