Viver ensina a esperar a vez e a conviver com a dor. É o que me segredam as mãos brancas do dentista, quando finalmente a obturação sem anestesia define o limiar da própria dor, dá lições de autocontrole. Quando a fala do médico é curta, chegar até ele é raro, pois ele detém o poder da anestesia, e é preciso oferecer a vida antes da hora para merecê-la; quando o livre curso da natureza é ainda caminho mais manso na direção do fim; quando o melhor é espantar o meu presságio e plantar sua comida - não há poesia que valha uma vida. A vida vai bem em prosa, quando a violência lhe rouba definitivamente a liberdade de corte. Quando minha morte não me pertence, o modo de morrer não me pertence, esse expatriamento vai entrando dentro da vida. Quando minha morte me é roubada, é o roubo que corre para dentro de mim. Para a terapêutica sem recursos, o diagnóstico mais generoso é sempre a eutanásia generalizada, a expansão da autoridade para dentro do corpo do outro, a faxina em seus farrapos de vida. O silêncio é o sofrimento da palavra, quando a poesia do silêncio lhe é roubada. A vingança dos desapropriados é o barulho da prosa do mundo. Se eu pudesse falar, pegaria andorinhas em pleno vôo.- Marcos Siscar
in O roubo do silêncio, 7 letras
domingo, dezembro 18, 2011
O roubo do silêncio
Separador:
poesia de fora
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário