é antiquado, disseste.
Que seja, meu amigo.
Deixa-me ser antiquada e sobreviver,
Deixa-me a aresta cortante das palavras
para limpar um mundo
para o meu ego.
A raiva já quase passou.
A minha alma é quase minha.
Há até hipóteses
de que o meu pai
também não desejasse morrer.
A minha mãe vigiava à sua cabeceira
e nunca se perdoou
por ter adormecido
na noite em que ele morreu.
Ele deixou uma mesa, uma cadeira,
uma máquina de escrever e um bloco de notas.
Nas reuniões de família
a minha mãe sorria
no seu melhor chiffon desbotado
e viajava em terceira
enquanto a família dele viajava em primeira
no mesmo comboio.
Fui crescendo
e só desejava
rir espontaneamente.
Tudo o que emergia
era um relincho nervoso.
Os meus membros começaram a soltar-se
a minha cara a dissolver-se,
o meu amor abraçava-me com força
durante horas quando eu não podia
nem falar nem chorar,
trazia comida e alimentava-me.
Com ele estou a aprender a amar.
- Eunice de Souza
(tradução de Ana Luísa Amaral)
in Poemas Escolhidos, Cotovia
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