quarta-feira, setembro 07, 2011

A perspectiva mente

Por querer pra este tempo alguma luz,
distraindo o tédio de sua obscura tarefa,
pus-me a pensar em dias de outro agosto
que na memória brilham como um farol:
esse agosto em que um miúdo foi feliz.
Ou é pelo menos o que imagina este homem
que é agora aquele miúdo,
porque compreendeu que essa luz
não lhe chega desse tempo, e que é a memória
quem a põe em cena quando os anos passam.

Numa terra pequena, debaixo do céu
inexplicável e alto dos velhos verões,
os garotos aborrecem-se: esse mundo,
com horas para regressar e proibições,
parece-lhes pequeno. Para matar as horas
escondem-se dos pais, fumam, dizem
que fumar às escondidas já cansa,
que estão fartos da terra, dos pais,
de esperar que a vida, a verdadeira vida,
comece.

Sim, naquelas cenas
tudo era a preto e branco, é é apenas a memória
perita em adornar velhas películas
quem lhes dá o seu pigmento de alba pura.
A experiência ensina-me que estas tardes de tédio,
quando esqueço as suas sombras
e me envolvo nas sombras de outras tardes
ainda que mais negras, ficarão registadas
como um tempo feliz nas minhas recordações,
e hão-de consolar-me nas horas mais difíceis.
Deve haver certa luz nas tardes de agora,
a experiência ensina-o.
O que não nos ensina a maldita experiência
é onde se esconde, de que modo gozá-la no presente,
nem porque cruel motivo qualquer tempo que logo
brilhará como um sol na memória
terá que ser vivido à luz de uma vela.

- Vicente Gallego
in El sueño verdadero, Visor

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