terça-feira, agosto 30, 2011

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A poesia foi sempre a consequência do mal-estar que certos seres, entre os mais, experimentam, e num grau mais intenso que todos os outros seres, ao contacto com o real, com o inflexível real, uma tentativa de reduzir este real a qualquer coisa de dúctil, de flexível, que se possa formar, transformar e estreitar à sua vontade. A imagem é, por excelência, o meio de apropriação do real, com vista a reduzi-lo a proporções plenamente assimiláveis às faculdades do homem. É o acto mágico de transmutação do real exterior em real interior... A imagem é uma criação pura do espírito. Ela não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos afastadas. Quanto mais as relações das duas realidades aproximadas forem longínquas, tanto mais a imagem será forte, tanto mais ela terá potência emotiva e realidade poética. Se os sentidos aprovam totalmente a imagem, matam-na no espírito. A poesia não está na vida nem nas coisas - é o que fazeis dela e o que lhe acrescentais.

De resto, ele (o poeta) não conta as suas viagens, não sabe descrever os países que viu. Ele nada viu, talvez, e quando o olham, com medo de que o interroguem, baixa os olhos ou levanta-os para o céu onde outras nuvens se esvaem. O que importa ao poeta é chegar a pôr a nu o que nele há de mais desconhecido, de mais secreto, de mais oculto, de mais difícil de descobrir, de único. E se não se enganar no caminho, chegará em breve ao mais simples... E esta passagem da emoção bruta, pesadamente sensível ou moral, ao plano estético onde, sem nada perder do seu valor humano, elevando-se a uma escala superior, ela se alija do seu peso de terra e de carne, se depura e se liberta de tal sorte que passa de sofrimento do coração a gozo inefável do espírito, isso é a poesia.

- Pierre Reverdy
(tradução de António Ramos Rosa)
in Poesia Liberdade Livre, Ulmeiro

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