quarta-feira, agosto 03, 2011

O desanimador

Ofendo, como ofendem os ciprestes. Sou
o desanimador. Eu sou aquele que contagia
com seus beijos um vómito de obscuros silêncios,
uma sangria de sombras. Ofendo, ofendo, amada.

Ofendi minha mãe e meu pai com esta
tristeza que eles nunca buscaram, nem esperavam,
nem mereciam. E vou ofender o meu século
com o frio e o nunca e o não das minhas palavras.

Ofendem-se perante mim os sorrisos, como devem
ofender-se os pássaros perante uma gaiola.
Ofendo como um rosto de náufrago num lago.
Ofendo como um coágulo de sangue numa página.

Ofendo como esse caminho que conduz
ao cemitério. Como a cera eu ofendo, amada.
Como a cera, mãe. Desanimo e ofendo,
mãe, como as flores que mentem nas lápides.

- Félix Grande
in Una grieta por donde entra la nieve, Renacimiento

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