sábado, agosto 06, 2011

solidança

1
tarde em chuva perdida e o corpo que me devolve
à justa solidão de amante incerta fala
lembra o gesto excesso palavras
enumeração obscura a antiga sensação
de ter tido vida o fogo subtil das frases
corpos canto rigoroso enxame
de sombras o brando furor em lábios de cinza
esquecer procurar o sono tão longe
de casa

2
dispersas palavras eco que encontram
volta a voz ao corpo e traz de longe
que distância de aves última migração
a canção de regresso no rosto aberto a lâmina
de luz o riso perdida imagem e o sangue
que nos conduz os passos
chamam-nos negra corrente rima ritmo insone
anulado horizonte ouço apressada
o verso a respiração pulmão da página
que rompe na tua ausência

3
números na espera os poços abertos
é cedo para o fim não chega ainda
murmura adoece a linguagem queixas
últimas as palavras condenadas
boca alucinada eco sem passado sem
futuro isto e mais e nada despe-se
tem-se num fundo de casa ruína
que aguarda outro gesto abre-se
prepara o silêncio agora agora agora

4
olha-se ao espelho confunde o rosto devolve-o
às mãos deixa recados esconde-se
abre os pulsos do tempo seca as horas
espera a empregada e o aspirador
o movimento calmante a ordem gosto
que recorda da infância

5
em conversa alguém que morre um
nome serve arrastá-lo até ao esquecimento
despeça-se um nome o que o corrói o vento
agitará a noite contra as janelas

6
um sentimento à volta por fora querendo-o
névoa alguém um fogo apagado
na cama os dias possíveis depois
incerteza e silêncio vagueando cegando
docemente mãos estendidas
à treva noite muito depois
das pálpebras descerem o gesto dedos
amados o peito pousa ave extinta que
nem a memória perturbará

7
prometida a queda só outra flor matinal
reles luz que imita a criação

8
sabes a palavra precisa embalo
mágico curso desordem metamorfose
interior o rapto do mundo onde a
imagem música inesperada tudo entra
te entra pelos ouvidos gráfico cardíaco
de um trago só vidro
quebrado na mão um copo de sangue

9
degraus cegos doce visão pela dor
dizendo baixo pássaros decorando quantos
e quantos passos longe
sílabas que ignora a luz a dor
esculpe triste semelhança divina

10
responde-lhe a doença corpo deixado
pelo desejo tempo exacto
tocado dança com tudo
a morte mão breve do sonho e ir
enfim levado por alguém

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