sexta-feira, julho 08, 2011

Primeira noite

Eu dormia debaixo de ti,
quieta e escura, tão deserta
como uma paisagem de campos, o meu sangue lentamente
secando entre nós, a brecha na minha carne
começando a sarar, aberta, uma fronteira
irreversivelmente abolida.
Os habitantes do meu corpo começaram a
erguer-se no escuro, a fazer as malas, a mudar-se.

Toda a noite, hordas de gente
em roupas pesadas mudaram-se para sul dentro de mim,
com as casas às costas, sacas de
grão, crianças pela mão, debaixo
de um céu como fumo. Os pastos
deslocaram-se centenas de milhas. Alguns animais,
de repente, quase se extinguiram,
uma ou duas formas singulares,
nodosas, nas partes opostas da terra.
Outras formas se multiplicaram,
massas de asas de um vermelho escuro
jorrando de parte nenhuma. Os rios mudaram de curso,
a linguagem deu uma volta
completa sobre si
e encaminhou-se na direcção oposta.
Ao amanhecer, as migrações tinham terminado. Secou
a derradeira orla do laço de sangue,
e como um animal recém-nascido prestes a ser ferrado
abri os olhos e vi o teu rosto.

- Sharon Olds
(tradução de Margarida Vale de Gato)
in Satanás diz, Antígona

(retirado daqui)

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