(MONÓLOGO A DUAS VOZES)
É coisa? – Não.
Está vivo? – Sim.
É vegetal? – Não.
É animal? – Sim.
Rasteja? – Às vezes; nem sempre.
Qual é sua postura? – De pé.
Voa? – Cada vez mais.
Assobia? – Às vezes.
Ruge, muge, late, ladra, uiva, ulula? – Sim, quando quer, por imitação.
Sabe fazer ninhos para a cria? – Constrói todo tipo de alvéolos trêmulos.
Cava túneis subterrâneos? – Cada vez mais, porque voa e tem medo.
Alimenta-se de frutas, de plantas? – Sim, porque é frágil.
E de carne? – Muitíssimo, porque é cruel.
Fala – Demais: suas palavras enchem a terra inteira de barulho.
É portanto leão tigre e ao mesmo tempo gado e ao mesmo tempo papagaio gato cachorro macaco toupeira e castor? – Sim sim sim sim tanto isso tudo quanto ele mesmo e todos os outros.
Vive à noite ou de dia? – Vive à noite e de dia. Dorme às vezes de dia e trabalha à noite porque teme os próprios sonhos.
Pode ver e ouvir? – Vê tudo ouve tudo, mas tapa os ouvidos.
Que faz quando trabalha? – Ergue altas muralhas para ocultar o sol. Fala, canta, resmunga para encobrir o estrondo do trovão.
E quando não está fazendo nada? – Esconde-se. Treme com todos os membros sem saber porquê.
Dirige-se rumo a algo, alguém? – Pensa que sim, finge ser chamado, escolhido, coroado.
É mortal? – Julga-se imortal, mas morre.
Gosta da morte? – Detesta-a não a compreende.
Que faz contra a morte detestada? – Multiplica-a dentro e fora de si por toda a terra no mar e no ar, espalha-a nutre-se de vida, isto é, de morte.
Com todo esse massacre, que quer ganhar? – Pensa perder de vista o fim, borrar o horizonte.
Que espera afinal? – Sua morte, sua própria morte.
E quando sua própria morte enfim chega? – Não a reconhece: pensa que é a vida e prosternado chora.
- Jean Tardieu
(tradução de Nelson Ascher)
in Poesia Alheia, Editora Imago
Sem comentários:
Enviar um comentário