-Pierre Bourdieu publicou em 1999 um texto sobre os efeitos da concentração editorial que se chamava “Uma Revolução Conservadora na Editoria”. Ele mostrava aí que o campo editorial estava a seguir o modelo de todos os sectores produtivos e a tornar-se uma indústria do entertainment. Quem visita a atual Feira do Livro e não sente repulsa pelo populismo editorial dominante, ou tem um enorme poder de atravessar, imune, uma paisagem de destroços, ou perdeu a capacidade de reconhecer a violência que sobre ele é exercida. Quando, há mais de duas décadas, na linguagem dos media surgiu a noção de “indústria dos conteúdos”, estávamos ainda longe de imaginar que a atividade editorial ia alcançar esse estádio último do fetichismo da mercadoria. A concentração não é apenas uma condição empresarial: é um método e um habitus (como diria Bourdieu). Por isso, a sua lógica difundiu-se e não se resume aos grupos editoriais. Um populismo literário e editorial implantou as suas regras em todas as fases de produção de um livro, desde a origem à comercialização.
A velha questão kantiana — “O que é um livro?” — precisa de ser reformulada, porque o Iluminismo não podia prever que os livros se tornassem inimigos de um ideal de socialização da cultura e emancipação. Nem previa que muitos que os escrevem, editam e, de alguma forma, fazem parte da cadeia se tornassem cúmplices de uma barbárie que condiciona ferozmente o espaço público literário. Aproximamo-nos da situação em que os géneros literários são absorvidos pelos géneros editoriais, e tudo o que não segue esta regra tem uma existência clandestina. Para onde nos leva a barbárie? Esperemos que seja, segundo uma velha lição de Walter Benjamin, à destruição que obriga a recomeçar tudo de novo.- António Guerreiro
«Ao pé da letra», Expresso-Atual, 14.5.2011.
terça-feira, maio 17, 2011
Feira do Livro
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