Também eu continuo à espera, Ferlinghetti. À espera da libertação instantânea que só uma mulher nos pode dar (libertarmo-nos é moroso e incompetente e tão aborrecido e ineficaz). Continuo à espera de quem me ame ininterruptamente, como se fosse cem irmãs, numa açoteia onde seja sempre Verão, sobre uma cidade de poesia árabe, erigida ao redor da minha flauta, para cantar as doçuras da carne. Ansiosa e exasperantemente à espera da transição pacífica para a inebriante República das Línguas, das línguas nas línguas nas línguas, numa roda sã, quase infantil. Continuo à espera de não temer nem desejar a morte, de aceitar a sua chegada como aceito que há campos de flores tão extensos que o olhar não lhes alcança o fim. Continuo à espera de um burro que seja o limite de velocidade de tudo e de um mar que administre sozinho a sua própria gravadora de discos. À espera de um pão ázimo de geração espontânea sobre o qual, às vezes, cairão flores de ameixoeira. Continuo à espera de um céu riscado apenas pelo reflexo do sol nos olhos dos velhos que não hesitarão em olhá-lo de frente, num comprazimento de jogo de damas. Continuo, sim, mas até quando?, à espera de não ter de esperar mais.
- Miguel Martins
(retirado daqui)
quinta-feira, abril 21, 2011
À espera
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