sábado, abril 16, 2011

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Desde o mato sufocante que me cerca,
vejo-o brilhar, alto, grave.
Arde imóvel sobre o seu próprio cimo:
choupo de luz, coluna de música,
jacto de silêncio.

Vendo-o lá em cima, o meu orgulho
acende feixes de palavras,
fragmentos de realidades,
realidades em fragmentos.
Folhagem morta, chama feita fumo!
E os juízos do meio da noite,
as risadinhas em fila indiana,
precipitam-se, gatos insidiosos,
sobre o meu fracasso.
As frases feitas piscam-me o olho,
a sabedoria excomunga-me,
os rifoneiros puxam-me pela manga.
Arrisco o chapéu, cruzo o manto, e vou-me.
Mas não adianto. E enquanto marco passo,
lá longe, sobre a rocha, ele arde,
inaudito.

Sei que não basta queimar
o que em nós se queimou.
Sei que não basta dar,
que é preciso darmo-nos.
E que é preciso receber.
Não basta ser planalto mondado,
o osso polido, o seixo.
Para o canto, não basta a língua.
Há que ser orelha,
a concha humana sobre a qual
João grava os seus desvelos,
Maria os seus vaticínios,
Isabel seus gemidos,
Joaquim o seu riso.
O que em nós aspira ao ser,
não é, não será nunca.
Ali onde se extingue a minha voz,
onde a tua começa, nasce o canto,
nem solidão, nem companhia.

Mas quando o tempo se desliga do tempo
e se transforma em boca,
grandes molares negros
e garganta sem fundo,
queda animal num estômago
animal sempre vazio,
engano com canções selvagens a sua fome.
Face ao céu, equipado para o nada,
canto o canto do tempo.
No dia seguinte, nada me fica
destes gargarejos.
E digo-me: a hora não é de canções,
mas de balbuceios.
Deixa-me contar as minhas palavras,
uma a uma.
Arrancadas à insónia e à cegueira,
à cólera e ao nojo
- são tudo o que possuo,
tudo o que possuímos.

Ainda não é tempo. O Tempo, não veio.
É ainda a desora, ainda é muito tarde,
pensamento sem corpo, corpo bruto.
E marco o passo, o passo.
Mas tu, hino livre do homem livre,
tu, dura pirâmide de lágrimas,
chama lapidada nos píncaros da insónia,
brilha no mais alto da cólera e canta,
canta-me, canta-nos:
pinheiro de música, coluna de luz,
choupo de fogo, jorro de água.
Água, água enfim,
palavra do homem para o homem!

- Octavio Paz
(tradução de Mário Cesariny)
in «Livro IV de Libertad bajo palavra»

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