segunda-feira, fevereiro 28, 2011

António Ramos Rosa

Arte poética



Se o poema não serve para dar o nome às coisas
outro nome e ao seu silêncio outro silêncio,
se não serve para abrir o dia
em duas metades como dois dias resplandecentes
e para dizer o que cada um quer e precisa
ou o que a si mesmo nunca disse.

Se o poema não serve para que o amigo ou a amiga
entrem nele como numa ampla esplanada
e se sentem a conversar longamente com um copo de vinho na mão
sobre as raízes do tempo ou o sabor da coragem
ou como tarda a chegar o tempo frio.

Se o poema não serve para tirar o sono a um canalha
ou ajudar a dormir o inocente
se é inútil para o desejo e o assombro,
para a memória e para o esquecimento.

Se o poema não serve para tornar quem o lê
num fanático
que o poeta então se cale.



(Poema publicado inicialmente em 1980, na revista Sílex, e integrado na antologia O poeta na rua, selecção e prefácio de Ana Paula Coutinho Mendes, Quasi, Famalicão, 2ª edição, 2005, p. 53).

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