quarta-feira, fevereiro 23, 2011

9.

Pode a serenidade destas rosas
atravessar a noite
sem que a esfolhem
os comovidos ares?

Sem que este perigo
– este sabor a perigo –
empalideça as mais
sombrias pétalas?

Ou esperarão, acaso,
com seus olhos
impotentes de flor,
com seu disforme e pútrido
alimento,
esperarão, inclinadas,
exalando perfumes tumulares?

Vigiarão teu cerco, salivando,
escorrendo ânsias carnais;
seguirão o teu corpo,
palpitando,
inchadas como um sexo,
ouvindo as garras?

Assistindo ao amor,
aos instrumentos
e paixões do amor,
à crueldade,

mordem, pedindo sangue,
essas obscenas,
ferozes bocas:
com sua antiga vocação
de rosas
– a de vestir
cadáveres,
a de ornar
os vencidos despojos,
virão, sorrindo,
sobre a minha morte.

- Hélia Correia
in A pequena morte, Black Son Editores

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