segunda-feira, janeiro 24, 2011

18.

Dêem-me uma tela onde escurecem os campos.
Trabalharei a cor,
lilás e púrpura que inunda as margens,
o coração que bate como um tumulto de pincéis.

Desfraldam-se as janelas onde se faz tarde.
Repousam as coisas:
giestas, a lira, uma rosa amarela.

Movem-se os remos.
Oiço-os que chamam, os marinheiros do tempo.
Eu lhes darei um porto com a nostalgia dos violinos;
tabernas onde se apagam girassóis.

Enlouqueço com a voz dos búzios, essa nota marítima
que persigo,
equinócios,
guitarras do trópico ao fundo da noite.

Acende-se o farol nos promontórios.
É como uma rapidíssima estrela girando, um relance de
sóis,
altos poentes –
afiadas escarpas, em baixo.

Busco esse destino de sons despenhados, ossos que
se entrechocam, desnudando-se;
uma vertigem de setas trespassa o peito,
as suas corolas frias.

Galopam os cavalos em demanda do sul,
as crinas recortadas pelo fim do dia, um brilho negro.
Ventos do norte crescem na direcção da planície e dos
livros,
enfurecendo as páginas –

timoneiro que fui, aí me escrevo, despeço-me, quebro os
espelhos no interior de uma beleza agreste,
regresso ao sono da terra –

Tudo dorme.

- José Agostinho Baptista
in Autoretrato, Assírio & Alvim

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