sábado, novembro 20, 2010

Vadiagens melódicas

Espremes e esfregas nas mãos a bizarra
flor sem nome que aqui te perfuma
as manhãs, as cores
de um vestido vazio caído aí,
na erva que dele bebe a ausência e o inverno.
Com a luz empurrando o amargo
contorno das casas
numa exalação respiratória.

Quartos de uma noite só,
alugada, perpétua. Nas paredes vão-lhes
crescendo rosas de musgo à luz suja
de antigos candeeiros, e a escrita
chega mais depressa à dor: algum
cavalo esquecido, fantasma
de um cadáver que já só às sombras
que o sublinham serve de alimento.

Apagando-se num eco entre as
ruas de ontem, o rumor de impérios
perdidos, velhos leões deitados
junto a calcanhares de pedra
nesse jardim de mitos
levado por um suspiro. E depois
desta janela baixa resta
uma única árvore, e como vestígio
do sonho, purpúrea e madura,
cada romã rebenta e de abelhas murmura
nos seus ramos.

Em baixo afaga a cabeça esvaída
um rapaz levando atrás de si
a tarde. De uma idade
que não se sabe, mas não pode
andar longe da tua.
O bafo morto de álcool, o rosto
enterrado numa espécie de oração
com os lábios rasgados marcando a brisa
enquanto da pele queimada descasca mapas
que enrola distraído entre o indicador
e o polegar. Mais velhas,

as mulheres, esfinges sonolentas
apoiando-se silenciosamente nas suas
sombras, que longas
se erguem como mastros. Ficam-se
a sonhar exílios nestes cafés vazios,
com as suas cortinas de contas pendendo
como rosários.

E faz truques com o tempo, esquece-se
dos nomes esta gente, e aponta
para as coisas num silêncio
sem ênfase revirando os olhos,
doces de cansaço:
fulgor do que tantas vezes foi e voltou
de promessas feitas e pagas ao mar.

Uma menina espera sozinha
à porta. Os cabelos de mel, encaracolados,
numa das mãos as sandálias, a outra,
leve, brincando na tensa corda
do teu olhar – essa distância toda
que puxavas para ti. Tudo

tão quieto, soprando uma mesma
ferida. A torre meio arruinada no limite
de tanta hesitação.
Fumaste nos degraus e lias o nome invertido
dos barcos, suas étereas silhuetas
sobre um púrpuro rio em perfume a dormir.
Aí, esse sono onde enches
a voz, ganhas vontades e não queres
fazer sentido, mas apenas ser
destas vadiagens melódicas, subir às
costelas do vento, gritar como louco
às tempestades.

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