Veio para a cidade estudar medicina
e afinal só será enfermeira.
Foi no Jardim das Pedras que conheceu Lucas
e se apaixonou por seu modo especial
de ler os delirantes poemas de amor
escritos sob o efeito do fumo.
Ele é único, pensa ela
e deixa-se levar pelos sonhos de alegria
ao lado dele, com filhos sadios
e uma casa com piscina no fundo do quintal.
Mas a febre polui novamente o rosto de Lucas.
Após os versos amorosos grita obscenidades
e os verdes olhos de Heloísa
são a juventude que ameaça se esvair.
ANDRESSA
Na casa ao lado vive uma garota solitária.
Chama-se Andressa, estuda agronomia
e veio de uma pequena cidade da região.
O que mais gosto nela são os cabelos:
ondulados, caem-lhe sobre os ombros
e modelam um rosto de garota
que guarda os hábitos vilarejos.
Quando deseja respirar um céu mais belo
senta-se ao portão e vê o entardecer
cair sobre os edifícios e as pessoas.
Quando anoitece, as luzes
da casa dela se acendem
e ouço o barulho de panels no fogão,
programas de rádio e uma voz feminina
que entoa canções de amor.
ANDREZZA
Andrezza se espreguiça na manhã.
Como se estivesse molhada,
a blusa se cola ao corpo
e ao desenhar o seu ventre insinuante
- de um erotismo inefável -
quase me esqueço dos segredos
que ela me conta sobre a família;
o rancor sempre presente,
a vida dupla da mãe e das irmãs,
o conflito de todas pela herança
enquanto o pai, espécie de Rei Lear,
adormece diante da tevê.
GAROTA DO ESCRITÓRIO
Primeiro interessou-me o seu ar espiritual,
as suas ideias, a sua percepção do mundo.
Depois notei o perfume, doce e delicado,
as marcas de batom nos copos descartáveis,
os seios que eram como pêras maduras.
E foi num debate - ela sentada, eu de pé -
sobre a existência ou não existência de Deus
- ela citando o Evangelho, eu Mersault -
que o telefone tocou e para atendê-lo
ela revelou a espantosa delícia
que eram as suas coxas grossas e rijas.
Estremeci e concluí que Deus ou a alma
são coisas distantes e sem propósito.
Quero fodê-la, penso e afirmo
com toda a vulgaridade que permite a poesia.
- Daniel Francoy
in Em cidade estranha..., Artefacto
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