domingo, outubro 17, 2010

Para lavar uma criança

Só o amor mais velho da terra
lava e penteia a estátua das crianças,
endireita as pernas, os joelhos,
eleva a água, faz resvalar os sabões,
e puro sai o corpo respirando
o ar da flor e da mãe.

Ó vigilância clara!
Ó doce perfídia!
Ó terna guerra!

Já o cabelo era um emaranhado
tecido entrelaçado por carvões,
por serrim e azeite,
por fuligens, arames e caranguejos,
até que a paciência
do amor
instituiu os baldes, as esponjas,
os pentes, as toalhas,
e com âmbar perfumado, limpo, penteado,
com antiga parcimónia e com jasmins
ficou mais novo o menino todavia,
e soltando-se das mãos da mãe
correu a montar novamente no seu alazão,
buscando lodo, azeite, urinas, tinta,
ferindo-se e espojando-se entre as pedras.
E assim recém-lavado salta o menino pró mundo
porque mais tarde só terá tempo
para andar limpo, mas já sem vida.

- Pablo Neruda
in Plenos Poderes, Dom Quixote

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