sábado, outubro 09, 2010

-
O mundo sem Joana parece aquele que vivemos juntos, mas não é o mesmo. Algumas pequenas diferenças fazem-me ver que as pessoas, os lugares, as coisas, já não nos são familiares. Enfrento, assim, o terror mais puro, quando as coisas quotidianas não se reconhecem e se tornam ameaçadoras. Por isso, às vezes choramos, a Mariona e eu, perdidos na estranha paragem na qual nos abandonou a morte da nossa filha. O corvo de Poe já não deixará de repetir dentro de mim o seu seco nevermore.

(excerto do prólogo)


MÃE E FILHA

Todo o passado dela são as tuas mãos:
trinta amorosos anos no fundo das tuas palmas.
Velaste-a toda a noite:
estendes-te na cama junto a ela,
teu peito cálido contra as suas costas,
os seus cansados cabelos no teu rosto.
Abraça-la e falas-lhe em voz baixa
e, ao mesmo tempo, acaricia-la.
São as últimas noites, e sentes o calor
do seu corpo extenuado que tão bem conheces.
Agora aprenderás a tomar conta dela na morte.
Sempre foi uma menina: tens que velar o seu sonho,
que se assemelha, mais e mais,
à profunda sombra de alegria
por onde desliza entre as tuas mãos.

- Joan Margarit

Sem comentários: