de sexta-feira, e encarcerado está dentro de algo,
casa, escritório, fábrica ou mulher,
ou rua ou mina ou árido calabouço...
a esse acorro eu e sem falar nem ver
chego e abro a porta da clausura
e ao abri-la um vago burburinho ouve-se dentro,
um longo trovão desfeito encorpora-se
ao peso do planeta e da espuma,
surgem rios rumorosos do oceano,
vibra veloz no seu rosal a estrela
e o mar palpita, fenece e continua.
Assim pelo destino conduzido
devo sem descanso ouvir e conservar
o lamento marinho na minha consciência,
devo sentir a pancada violenta da água
e recolhê-la numa taça eterna
para que aonde esteja o encarcerado,
aonde sofra o castigo do Outono
esteja eu presente com uma onda errante,
circule eu através das janelas
e ao ouvir-me o olhar levante
dizendo: como chegarei eu junto do oceano?
Então sem dizer nada transmitirei
os ecos rutilantes da onda,
uma derrocada de espuma e areais,
um sussurro de sal que se afasta,
o grito cinzento da ave do litoral.
E assim, a liberdade e o mar responderão
por mim ao sombrio coração.
- Pablo Neruda
in Plenos Poderes, Dom Quixote
Sem comentários:
Enviar um comentário