Hoje, no passeio Lilienthal, um homem
caminhava cada vez mais devagar e olhou
por cima do seu ombro para o vazio.
A neve que cai e adopta a forma da coisa
tal como o adjectivo vermelho cai sobre a cereja.
A mulher que parte ao meio uma maçã
e se encontra entre dois bosques, dividida.
O sonho que se apaga no obscuridade de um cinzeiro,
a estrela que se extingue ao mesmo tempo
que se diz a palavra pó ou tosse um estranho.
Num caderno hei-de anotar todas as coisas.
A sombra que foge da noite
como o vento escapa do vento.
O miúdo que tem apenas uma moeda
mas cem mãos para perdê-la.
O insecto que escava galerias no coração
dos livros, que come a carne das árvores,
come palavras, come-as até as ter todas.
Num caderno hei-de anotar todas as coisas.
Os guarda-chuvas que ardem e queimam a tarde
tal como a palavra gelo incendeia uma boca.
O solitário que recorta as ilhas de um mapa e uma noite,
de repente, encalham todas na praia, frente à sua casa.
A bala que procura um homem na lista telefónica,
a bala que silva e irrompe a meio de um pensamento.
Num caderno hei-de anotar todas as coisas.
O homem que olha para o fundo do copo
e encontra a superfície do inferno.
O moribundo que se apaga sobre o leito
tal como um coto de lápis.
O amante a quem visita, como uma tormenta,
a sombra remota de perfume e pensa:
A memória é um leão adormecido entre algodões.
Num caderno hei-de anotar todas as coisas.
Debaixo do céu hei-de ser todas as coisas.
- Jesús Jiménez Domínguez
in Fundido en negro, DVD Ediciones
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