quarta-feira, julho 14, 2010

Jerusalém

No meu sonho, crianças
apedrejam outras crianças
com alfarrobas enegrecidas
sonho que o meu filho cavalga
uma velha égua cinzenta
direito a uma guerra meio-morta
numa estrada morte-cinza
por entre os cactos e os cardos
e os leitos secos dos regatos.

No meu sonho, as crianças
estão enfaixadas de fumo
e o seu cabelo por cortar arde lento
aqui mesmo, aqui
onde as árvores não têm sombra nenhuma
e os penedos não dão sombra nenhuma
as árvores não têm memória nenhuma
só as pedras e
os cabelos da cabeça.

Sonho que o cabelo dele está a a crescer
e nunca foi aparado
perdendo-lhe das têmporas delgadas
como caracóis de arame farpado
e a primeira barba cresce-lhe
consumindo-se como lume lento
a barba dele é fumo e fogo
e eu sonho-o a cavalgar
pacientemente para a guerra.

O que sonho da cidade
é como é difícil ir embora
e quão inútil é caminhar
fora dos muros assolados
apanhar as granadas
de uma guerra meio-morta
e acordo lavada em lágrimas
e ouço as sirenes a gritar
e a alfarrobeira está nua.

- Adrienne Rich
(tradução de Maria Irene Ramalho
e Monica Varese Andrade)

in Uma Paciência Selvagem, Cotovia

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